"O mundo do faz de conta lado a lado com a realidade"

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

:: O MUNDO JÁ NÃO É O MESMO.

Espelho, espelho meu.

por Lorreine Beatrice


Não, não é por rebeldia nem por transgressão, mas há um perceptível afastamento entre os contos de fadas e seus valores originais. Para muitos, nem tão perceptível assim, afinal príncipes e bruxas continuam vivos. Castelos, obstáculos e finais felizes ainda habitam os contos da carochinha.

O que mudou parece ter sido o jeito de contar a história, a narração e não a narrativa em si. A sensação que tenho é que cada vez mais se ressaltam, nos contos de fadas, os aspectos que prezam pelo individualismo. Já notou como, nas novas versões, ganham destaque a determinação e o amadurecimento do herói, que vão se fortalecendo durante a jornada? O ponto de chegada é a certeza de auto-realização, o esperado final feliz.

Nem sempre foi assim. Por muito tempo, os contos de fadas serviram para enobrecer valores coletivos, que fazem bem a toda uma sociedade, como igualdade, obediência e ordem. Talvez daí venha a nossa sensação de que todas as boas princesas clássicas também eram um pouco submissas. O sacrifício vinha antes da determinação. A humildade antes da incrível vitória final. A maneira de contar a história só favorecia isso.

É claro que essas mudanças sutis vêm de acordo com as mudanças de pensamento e comportamento da sociedade contemporânea. E se tem a ver com a sociedade, tem a ver com publicidade também. Afinal, o consumo é uma prática essencialmente individualista (ainda[!], apesar dos esforços por um consumo socialmente inteligente e das outras forças do cabo-de-guerra).

Todo esse papo me faz lembrar do amigo Maslow e de sua pirâmide de necessidades (plenamente aplicável às motivações de consumo). Lembra ainda qual é o topo da pirâmide? Sim, a auto-realização, tão parecida com o final feliz dos contos de fadas. Sem falar da confiança e estima (segundo patamar da pirâmide), que todo herói deve ter para transpor os desafios da jornada, e do afeto (terceiro patamar da pirâmide), marcado pelos sentimentos românticos da princesa e do herói. Tudo isso pode ser muito bem aproveitado pelas mensagens publicitárias, em analogia aos enredos clássicos, mas com esse “toque” persuasivo para conquistar o consumidor atual.


Provavelmente, as narrações vão continuar mudando, acompanhando a rotação do mundo e as inovações do ser humano. Perceber isso é entender um pouco mais nossa própria história – como indivíduo ou no coletivo.

Lorreine escreve para o Mundo Fabuloso todas as quintas-feiras na seção “Espelho, espelho meu”.

e-mail: lorreinebeatrice@gmail.com

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